quinta-feira, 8 de outubro de 2015

Dia das Crianças e representatividade!

Imagem tirada de Lembrança Real

Este ano a Taís não pediu presente para o Dia das Crianças.
Na verdade ela nunca pediu. O negócio dela é com o Papai Noel ainda.
Ela, também, nunca brincou de forma tradicional com as bonecas. Qualquer pessoa que veja as bonecas dela dirá que ela estraga. Eu diria que ela customiza.
Pinta as caras das bonecas com canetas de retroprojetor. Segundo ela, não são rabiscos, são maquiagens permanentes.
Faz bandanas com os vestidinhos. Sim, ela cortou todos os vestidinhos e amarrou o que sobrou na cabeça das monstras bonecas que ela customizou.
Acontece que de uns meses para estas bandas ela vem brincando de boneca como toda mãe sonha (toda???), da forma tradicional, fazendo a boneca de filhinha, querendo cuidar, trocar roupinhas, querendo mamadeira (não vou entrar no mérito comercial da mamadeira e o que ela incentiva porque não vem ao caso neste momento) e fraldinhas.
Acontece que ela não tem mais bonecas grandes que possam ser seus bebês. Todas estão com a cara do Chuck, então não rola materná-las]. Assim sendo, ela fez de seu bebê um cachorro de pelúcia medonho, sem focinho, com os olhos estropiados, mas que tem um tamanho bom e é fofinho. Nele cabem roupinhas que foram dela quando nasceu para mim.
Pegou tanto gosto de maternar o cachorrão que me pediu para comprar fraldas.
Em dias que podia levar brinquedos na escola, ela andou levando o seu 'bebê' para brincar com as amigas que, naturalmente, levam bonecas com cara de bebês, mas a Taís é desencanada e não liga para a aparência do bebê dela. Ao menos a vejo brincar feliz e nunca me falou nada!
Por conta desse conjuntinho de coisas fiquei pensando: por que não dar a ela uma boneca? Um bebezão de corpo de tecido, molinho, num tamanho que caibam as roupinhas? E um pacotinho de fraldas, também? E umas roupinhas que foram dela lavadas, passadinhas, tipo um kit de maternidade? E uma mamadeirinha, claro?

Eu sempre fui uma mãe desencanada com as brincadeiras das crianças. Nunca liguei se menino brincava de boneca e fogãozinho, se menina gosta(va) de bola e carrinho de controle-remoto ou caminhões enormes com caçambas para brincar de areia no parquinho. Nunca reprimi nenhum tipo de brincadeira e nunca restringi nenhum tipo de brinquedo. Sempre ensinei a eles que cor faz parte da natureza e é de todo mundo e que brinquedo foi feito para brincar. Fim. É isso o que penso, mas quando um deles tem inclinações ou despertam para algumas brincadeiras que seriam socialmente aceitáveis (e desejáveis!) aos olhos duzotros, também deixo rolar sem reforçar nem criar teorias como 'ah, muito bem, agora você está brincando como uma menina deve brincar!'. Nada disso. Quer skate no final do ano, vai ganhar, mas está 'ligada' em maternar agora, tudo bem, também!

Pois bem, hoje fui colocar meu plano em prática: comprar a lembrancinha de Dia das Crianças. Lembrancinha, mesmo. Nada caro.
Falei para ela que vai ser surpresa, já que ela não pediu nada. A expectativa da surpresa, confesso, é bem mais legal do que ela ficar esperando o tal brinquedo que quer porque vê no comercial.
Andando na rua do centro, passo em frente a uma loja e vejo A boneca. Tamanho ideal, rosto bonito, precinho maaara (39 dilmas). Entro, pego a caixa, olho, o vendedor vem:
- Moço, eu queria essa boneca com pele escura, morena ou negra.
- Ah, não tem!
- Mas não tem porque acabou, ou não tem porque não fabrica, ou não tem porque vocês só compraram bonecas loiras?
- Essa boneca a Estrela só fabrica assim (tenho minhas dúvidas, mas esqueci o nome da boneca para pesquisar), como estas que estão aqui. Mas olha, ela é bem bonita!
- Sim, moço, ela é linda, mas eu quero uma boneca de pele escura.
- Ah, aqui no fundo tem uma em promoção, também. Dela tem com pele escura como a senhora quer...
- Mas, moço, essa boneca é infinitamente menor do que aquela. Quero uma daquele tamanho. Quero uma boneca para que a criança brinque de vestir, colocar fralda como ela está interessada em brincar neste momento.
- Então leva aquela, mesmo! Ela é bem bonita!
- Sim, moço, ela é bonita mas não me serve.

Aí vem uma moça tentando ajudar:

- Ah, mas a criança não vai ligar se a boneca é loira ou se tem pele escura...
- Será, mesmo? Uma criança negra não liga de ganhar uma boneca loira de olhos azuis para ser sua filha? Você acha isso? Você já ouviu falar em representatividade? Eu quero dar uma boneca de pele escura para uma criança mestiça. E quero uma boneca grande. É, no mínimo, absurdo a empresa fazer bonecas de pele escura apenas de tamanhos pequenos. Uma criança mestiça ou uma criança negra não merecem uma boneca grande representando seu tom de pele? Se elas quiserem uma boneca parecida com elas, têm que se contentar com bonecas pequenas?
- ...
- Então, nós temos essa outra que também tem pele escura como a senhora quer...
- Mas é pequena! Olha, tudo bem. Deixa para lá. Vou dar uma andada.
- Para quem é a boneca que a senhora quer comprar?
- Para a minha filha!

Indescritível a cara dos dois!

- Sua filha?
- É! Minha filha! Ou eu não posso ter uma filha mestiça?

Outra moça:

- Senhora, achei esta outra boneca, aqui...
- Obrigada pela atenção de vocês. Vou dar uma andada e procurar em outras lojas. Talvez eu encontre uma boneca grande morena ou negra.

Olha, tudo bem que os vendedores não têm culpa de o fabricante não produzir bonecas grandes com pele escura. Tudo bem, mesmo, mas eu fiquei muito frustrada.
Só não tudo bem eles quererem empurrar um produto que você deixou claro que não quer!
Tive que andar para encontrar a boneca como eu queria sem que fosse a um preço exorbitante só porque tem um peniquinho ou porque fala não sei quantas frases.
Todas as pessoas precisam entender que a boneca é como um espelho. A criança se vê representada nela. Ou não!
As bonecas que a Taís brincou melhor, bastante até, foram bonequinhas pequenas de pele escura. Estas ela não riscou as carinhas e não estragou as roupinhas. Estas ela estragou no banho, porque entrava água e chegou uma hora que tive que jogar fora. Nada mais tirava o mal cheiro de dentro delas mesmo colocando de molho na água sanitária.

Na outra loja, nas prateleiras à mostra, as bonecas grandes eram todas loiras de olhos azuis, também! As de preço baixo. Porque as de cento e muitos reais e que nem são tão grandes ficam à mostra e bem à altura das mãos das crianças. As pequenas também. E quando se pergunta sobre a boneca de pele escura é essa mais cara que oferecem. É só aquele modelo que tem.
Quando entrei na segunda loja e perguntei se tinha 'aquela' boneca lááááá do alto, com pele escura a vendedora disse que não, que só aquele modelo, mesmo, mas quando pedi para que ela pegasse uma para eu ver...supresa!!! Boneca de pele escura atrás da loira. E tiramos a outra loira e atrás uma negra. Gente, sabe...me senti frustrada, me senti com raiva, me senti mal pensando em por qual motivo as prateleiras precisam ter apenas as bonecas loiras na frente? Por que não intercalam bonecas do mesmo modelo loiras e negras na frente para que TODOS vejam que existe diversidade nas bonecas (e nos preços, naturalmente), para que as crianças tenham o direito de se sentirem representadas em seus tons de pele ou, simplesmente, tenham o direito de escolherem se querem um bebê branco ou um bebê negro independente da cor da pele que estas crianças tenham?

Eu achei a boneca que eu queria, como eu queria, do tamanho que eu queria, mas saí com gosto amargo na boca!
Até quando será que esse tipo de coisa vai acontecer? Até quando?
Eu gostaria de ter passado em frente às lojas, ter visto a diversidade das bonecas, ter entrado, visto preço, comprado sem ter tido que ficar explicando, pedindo, quase implorando uma boneca com características que não aquelas das prateleiras!
Eu gostaria e sei que dezenas, centenas, milhares de outras mães também!

Que todos nós, fabricantes de brinquedos, pais, tios, avós, lojistas, vendedores pensemos a respeito do que diz lá em cima na imagem 'toda criança gosta de brincar' e toda criança tem o direito de sentir-se representada quando ganha um brinquedo!

Que o Dia das Crianças seja de presentes, mas muito mais de presenças!

Abraços!

Cláudia




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